Penélope




"Eu lembrava do cheiro de bolo ou de pão pela manhã nos sábados e domingos. As vozes dos meus pais pelo corredor que dava para o meu quarto. Eles riam entre a conversa baixa. Eu lembrava das marias chiquinhas de bichinhos coloridos que minha mãe fazia com tanto carinho em meu cabelo. A escova passando devagar pela minha cabeça e correndo os longos cabelos pretos. Eu lembro do perfume dela que ficava pelo meu quarto logo que ela ia me acordar. Eu lembro do tempo em que corria pelas ruas de Arambaré de mãos dadas com Camila. E eu lembro de quando tudo mudou e a dor entrou na minha vida pela primeira vez. Eu lembro do acidente como se fosse hoje. Eu ainda acordo gritando por eles. Eu lembro do medo que tomou conta de mim e que me fez decidir por ficar longe da minha melhor amiga. Eu lembro de tudo isso e vivo a vida de modo passível, deixando tudo ao redor correr enquanto eu caminho. É mais seguro assim. Eu controlo melhor assim, vendo de longe. Deixando a vida passar por mim enquanto eu apenas tento me controlar. Eu sinto a dor da perda todos os dias e ela só se deixa vencer pelo medo de uma perda irreparável. Assim, ainda tenho um gosto do que é viver, nem que seja uma prova do que é a realidade..."


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